Uma aldeia esquecida
Nazaré, situada ao norte do vale de Jezreel, nas colinas da baixa Galileia, ficava a apenas cinco quilômetros de Séforis, uma próspera cidade greco-romana que chegou a ser capital da região até o ano 20 d.C. Enquanto Séforis se destacava pela riqueza e importância política, Nazaré permanecia uma aldeia pequena e quase insignificante, estendendo-se por apenas 24 hectares e abrigando cerca de quinhentos habitantes.
Nem o historiador Flávio Josefo, que menciona mais de quarenta cidades da Galileia, nem o Talmude, que cita sessenta e três localidades da região, registraram o nome de Nazaré. Essa obscuridade explica o tom de desprezo na pergunta de Natanael: “De Nazaré pode sair alguma coisa boa?” (Jo 1.46). Ainda assim, foi justamente desta cidade humilde que Deus levantou o Salvador do mundo.
Jesus, o Nazareno
Os Evangelhos apresentam Nazaré como o lar de Maria e José (Lc 2.39), o lugar da infância de Jesus (Mt 2.23; Lc 4.16) e o ponto de partida de Seu ministério (Mc 1.9). Foi também ali que Ele experimentou a rejeição de seus conterrâneos (Lc 4.16-30).
Tão íntima era a ligação de Jesus com Nazaré que Ele foi identificado simplesmente como “Jesus de Nazaré” (Mc 1.24; Lc 18.37), e até o título na cruz trazia esta designação: “Jesus Nazareno, o Rei dos Judeus” (Jo 19.19). Seus primeiros seguidores também ficaram conhecidos como “a seita dos nazarenos” (At 24.5).
Assim, uma aldeia sem relevância política ou cultural tornou-se símbolo da identidade do próprio Messias.
A profecia do Nazareno
Mateus 2.23 registra que Jesus foi chamado “Nazareno” em cumprimento às Escrituras. Nenhum texto do Antigo Testamento traz essa frase de forma literal, mas há duas possíveis alusões:
-
Isaías 11.1: descreve o Messias como um “rebento” (netser, em hebraico), termo foneticamente próximo de “Nazaré”.
-
O voto de nazireado (Nm 6.1-21; Jz 13): pessoas consagradas ao serviço de Deus, embora essa ligação seja mais simbólica.
João, por sua vez, enfatiza a surpresa de Natanael diante da ideia de que o Messias viesse de Nazaré (Jo 1.45-46), revelando que a obscuridade da aldeia contrastava com a grandeza da missão de Cristo.
Evidências arqueológicas
Escavações em Nazaré, especialmente sob a atual Igreja da Anunciação, revelaram que a vila era agrícola desde a Idade do Ferro II (900–600 a.C.) até o período bizantino (330–640 d.C.). Foram encontrados sepulcros judaicos com pedras rolantes, semelhantes ao túmulo em que Jesus foi colocado.
No local também se descobriu uma sinagoga judaico-cristã do século III, orientada para Jerusalém e decorada com mosaicos que misturavam símbolos judaicos e cristãos. É possível que ali, sob essa estrutura posterior, estivesse a sinagoga em que Jesus leu Isaías e anunciou sua identidade messiânica (Lc 4).
A atual Basílica da Anunciação, inaugurada em 1969, é hoje a maior igreja cristã do Oriente Médio e marca o lugar em que a tradição afirma ter ocorrido a anunciação do anjo a Maria.
Conclusão
Nazaré, uma aldeia esquecida pelos homens, tornou-se centro da revelação divina. O desprezo dos contemporâneos contrastava com o plano eterno de Deus: levantar da obscuridade um Salvador que traria luz ao mundo. Assim, Nazaré ensina que a grandeza de Deus não depende da glória humana, mas do cumprimento fiel de Suas promessas.
Bibliografia
-
BÍBLIA DE ESTUDO ARQUEOLÓGICA. São Paulo: Vida, 2018.
-
BROWN, Raymond E. An Introduction to the New Testament. New Haven: Yale University Press, 1997.
-
JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.
-
PIXNER, Bargil. Paths of the Messiah and Sites of the Early Church from Galilee to Jerusalem. San Francisco: Ignatius Press, 2010.
-
SAFRAI, Shmuel. The Jewish People in the First Century. Assen: Van Gorcum, 1976.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Compartilhe este conteúdo com os seus amigos