Introdução
No contexto de muitas relações conjugais, surge uma tensão frequente: expectativas idealizadas de que o marido aja exatamente como a esposa, pense como ela, exija dela a mesma intensidade ou o mesmo estilo emocional. Essas expectativas acabam causando desentendimentos, frustrações e mesmo feridas emocionais, porque ignoram que cada pessoa, homem ou mulher, traz uma história, uma constituição emocional e cultural distintas. Neste capítulo, vamos explorar como honrar a identidade do outro — respeitando masculinidade e feminilidade — para construir uma convivência mais saudável, equilibrada e amorosa.
1. A Origem Das Expectativas Desequilibradas
Desde cedo, em muitos ambientes culturais e familiares, se aprende que “modo certo de ser” é aquele que a mulher idealiza. Isso inclui:
• como o marido cuida da casa, dos filhos, da limpeza e da organização;
• como ele expressa sentimentos ou insatisfações;
• quanta delicadeza ou envolvimento emocional é esperado.
Quando essas expectativas são impostas sem ajuste com a identidade dele, geram ressentimento nos dois lados: a mulher sente-se frustrada; o homem, desvalorizado ou incapaz de corresponder, se sente cobrado.
2. Diferença Entre Papéis, Afetos E Identidade
a) Papéis sociais e culturais
Historicamente, nas sociedades antigas, havia papéis diferenciados entre homens e mulheres. A Bíblia e os textos históricos mostram que papéis de liderança, provimento e proteção foram atribuídos culturalmente aos homens, enquanto responsabilidades domésticas, cuidado e apoio ficaram mais associadas às mulheres. Essas funções não implicam que uma parte seja superior à outra, mas que o design social considerava diferentes funções para convivência comunitária.
b) A masculinidade e a feminilidade: além dos estereótipos
Ser masculino ou feminino não é simplesmente reproduzir estereótipos de comportamento. Trata-se de expressar identidades profundas — inclinações naturais, valores pessoais, emoções, modos de comunicação. Por exemplo, muitos homens não demonstram da mesma forma emocionalmente que as mulheres, não por frieza, mas por formação afetiva ou sensibilidade distinta.
c) A força, a virilidade e a necessidade de segurança
Em tradições judaico-cristãs, a virilidade é frequentemente associada com firmeza, segurança e liderança. Muitas mulheres relatam que se sentem seguras quando o marido demonstra estabilidade, proteção e compromisso. Isto não significa submissão cega, mas confiança de que há alguém comprometido de forma concreta.
3. Os Perigos De Exigir Equivalência Absoluta
Quando a esposa espera que o homem aja “igual a ela” em todas as dimensões:
• Isso destrói o senso de identidade dele, gerando culpa, insegurança ou ressentimento.
• Pode causar uma “castração emocional”, isto é, uma inibição de expressão autêntica do que ele realmente sente ou pensa — aprisionado pela busca de corresponder a expectativas estranhas.
• Também limita o desenvolvimento dela mesma: vive-se numa convivência de frustrações constantes, em vez de crescimento mútuo.
4. Uma Proposta Equilibrada: respeito mútuo, convívio consciente
a) Honrar a masculinidade e a feminilidade
• Reconhecer que há modos distintos de agir, sentir e expressar, sem considerar um superior ao outro.
• Valorizar os pontos fortes de cada um, inclusive os que não se expressam exatamente como gostaríamos.
b) Comunicar expectativas de forma construtiva
• Expressar claramente o que se espera, mas também ouvir o que o outro é capaz de dar, qual sua natureza emocional.
• Evitar comparações diretas ou imposições: em vez de exigir que ele “limpe como você faria”, mostrar o que especificamente lhe agrada, descobrir juntos formas de repartir responsabilidades.
c) Fazer paz com sua própria feminilidade (ou masculinidade)
• Estar consciente de que nem tudo que desejamos é natural ou saudável esperar do outro.
• Trabalhar a aceitação de si mesma: reconhecer o que valoriza e também suas dependências emocionais.
5. Perspectiva Bíblica E Histórica e Histórica
a) Bíblia
• Em Gênesis, após a criação, Deus estabelece diferenças entre homem e mulher de forma complementar (criação homem e mulher à sua imagem) que implicam identidades distintas, mas ambos sendo “bom” Criado por Deus.
• No Novo Testamento, Paulo fala de amor sacrificial do marido pela esposa, e de respeito mútuo (Efé¬sios 5: Efe¬sios 5:22-33), assim como de submissão voluntária e serviço.
• Também Galátas 3:28 mostra que, em Cristo, há igualdade de valor, dignidade e herança espiritual (“não há judeu nem grego… nem homem nem mulher”) — o que indica que, embora existam papéis, não há hierarquia de valor.
b) História da Igreja e doutrina
• A teologia cristã sempre debateu o que esperar de papéis sociais masculinos e femininos, com algumas correntes (complementaristas) defendendo distinções funcionais e outras (egalitárias) defendendo maior flexibilidade.
• A tradição patrística e medieval reforçou a ideia de que o homem deve prover e liderar, e a mulher apoiar e cuidar; mas também há santos, mulheres profetisas, líderes de comunidades, que demonstram que nem tudo era rígido.
6. Aplicações Práticas
• Em vez de desejar que o marido seja “você em outro corpo”, aceitar a identidade dele, dialogar sobre tarefas, emoções, expectativas.
• Criar espaços de ternura, de expressão emocional para ambos, onde não haja vergonha de vulnerabilidade.
• Crescer juntos: aprender um com o outro, permitir que ele aprenda a ser mais expressivo, e que você reconheça segurança em outras formas de demonstração.
Conclusão
O casamento mais maduro se constrói quando existe respeito pela diferença, valorização das identidades individuais, e comunicação cuidadosa. Nem tudo que desejamos do outro é questão de amor verdadeiro — muitas vezes é expectativa inconsciente. Honrar o marido que você escolheu significa também permitir que ele seja aquilo que Deus o fez ser, e você exercer sua feminilidade de maneira que floresça, não comparando-se ou exigindo moldar o outro ao seu interior. Assim, ambos crescem, aprendem, constroem uma vida a dois rica e harmoniosa.
Bibliografia
GONZÁLEZ, Justo L. Teachings of the Early Church. Minneapolis: Fortress Press, 1996.
HYLEN, Susan E. “Masculinity, Femininity, and Sexuality.” In The Cambridge History of Ancient Christianity, edited by Bruce W. Longenecker & David E. Wilhite, 561-585. Cambridge: Cambridge University Press, 2023. (Cambridge University Press & Assessment)
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CBMW (Council on Biblical Manhood and Womanhood). Gender-Specific Blessings: Bolstering a Biblical Theology of Gender Roles. Disponível em: https://cbmw.org/2016/05/11/jbmw-21-1-gender-specific-blessings-bolstering-a-biblical-theology-of-gender-roles/. Acesso em: (data de hoje). (CBMW)